quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Deus dos ignorantes

 

Entre os teológos há um erro argumentativo muito comum, quando tentam defender a existência de Deus através daquilo que ainda não se sabe. Isto é, Deus existe porque a ciência ainda não conseguiu explicar um determinado enigma. Em termos de ilustração seria como dizer que o mecânico existe, porque não compreendemos muito bem como se dá a ignição da mistura no cilindro do motor. É óbvio que mesmo que eu não perceba nada de mecânica, ou perceba muitíssimo, o facto de que o motor foi concebido e produzido por alguém é um facto.

Portanto, a existência ou não-existência de Deus, não deve depender de se percebemos ou não o modus operandis do mundo. Isso apenas serve como uma espécie de cortina-de-fumo que obscurece o facto essencial: Uma personalidade não existe à parte de uma pessoa e uma pessoa, por natureza manifesta-se.

Os teólogos dizem que Deus se manifesta através da sua obra. Claro que é fácil concordar, o que fica mais difícil depois é descobrir o artista. É verdade que não conhecemos o artista meramente pela observação da sua obra, se bem que a obra nos possa dizer muito. Há inclusive obras que não sabemos nada sobre o seu autor. Porquê? Porque não existem registos históricos sobre ele e porque o artista morreu. Neste sentido o caso de Deus é peculiar, porque insistem que há registos sobre Ele e porque Ele não está morto.

Contudo seria de esperar, pelo menos de um grande artista, que se manifestasse, que nos deixasse aproximar. Mesmo os mais relutantes, uma vez ou outra sempre dão uma entrevista.

Os teólogos dizem que Deus se manifesta nas suas obras, deixa conhecer os seus pensamentos através de Escrituras Sagradas e permite a aproximação por meio da oração. Tudo isso está bem e é muito interessante, mas soa a pouco para um ser de tamanha grandeza e importância. Ao contrário de um humano, Deus não precisa de ser modesto. Que mal haveria em deixar-se conhecer mais plenamente e não como acontece geralmente por um intermediário humano? Que vantagem decorrerá para Deus ou para nós, a sua, mesmo que aparente, inactividade nos dias que correm?

Deus tirou férias e deixou de se interessar nos assuntos humanos? Alguns acreditam que esteja num ‘sábado’, gozando um merecido descanso de suas obras que parecem ter-lhe exaurido as energias[1]. Mas os mesmos discordam que se tenha desinteressado da humanidade. Sinceramente, um homem mesmo nas férias, não deixa de falar! Porque se calou Deus? Mesmo que goste de se comunicar por intermédio de algum humano, porque não o faz de forma credível?

O seu modelo comunicacional parece aberrante. Dirão os teólogos, que Deus é mais sábio do que eu e certamente sabe qual o melhor modelo de comunicar. Até poderia ser levado a concordar, não fora o facto, de que o seu silêncio parece confirmar a posição daqueles que ao longo do tempo, foram levados a concluir que Ele não existe, ou que se alguma vez existiu, esteja agora morto ou inactivo.

Dirão pressurosos que isso é um teste à nossa fé. Mas francamente, é apenas de bom-senso que face à inexistência de evidências qualquer fé seja submetida a um esforço demasiado. Aliás, se colocarmos tudo sobre os ombros da fé, então qualquer crença poderá afirmar-se verdadeira! (É o que acontece!)

O problema é que para aquele que busca com seriedade, uma fé cega não oferece base para se construir uma sólida crença em Deus. Se for só fé, então porque não aceitar que existem ÓVNIS e que estes são naves extraterrestres que nos visitam? Ou porque não acreditar que escondidos na profundidade dos bosques existem duendes, ou elfos ou unicórnios?

Agora que conseguimos perceber melhor a natureza do mundo em que vivemos Deus teria interlocutores altamente preparados para uma conversação de elevado nível! E Ele seria profundamente útil agora, para estabelecer uma ponte que nos será sempre difícil de estabelecer, que é aquela que interconecta o mundo material com o espiritual. De facto, Deus manifestou-se (aparentemente), mais no passado que no presente. Isto é, quando a humanidade não percebia sequer um ínfimo do Universo, Deus falou e agora cala-se!
Aparentemente Deus prefere falar para ignorantes…[2]

[1] Êxodo 31:17; parece que o esforço lhe tirou o fôlego.
[2] Mateus 11:25; mas ao contrário do que pode parecer, Jesus aqui censura os sábios e os intelectuais da religião, ou seja fariseus e escribas!

4 comentários:

  1. A minha resposta a este assunto é simples: o ser humano é limitado. Não tem capacidade para olhar directamente para o sol, da mesma forma que não tem capacidade para ver Deus. Ele revelar-se-nos-á de forma mais esplícita e digna quando crescermos o suficiente... a paisagem que obtemos tem a ver com o ponto até onde a nossa vista consegue abarcar.

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  2. Agradeço a sua devoção a este modesto site, pois nos últimos posts é sempre a primeira a comentar!
    Estamos de acordo que nós humanos somos limitados. A consciência disso contudo, ao invés de nos atirar para um estado depressivo, em que acabrunhados desistiríamos de qualquer tentativa de superar essas limitações, levou-nos no rumo contrário.
    Assim criamos ferramentas que nos permitem de alguma forma diminuir as nossas limitações e temos sido engenhosamente inventivos nisso!
    A sua ilustração entre Deus e o Sol, não é suficiente para explicar o seu silêncio. Não é necessário ver a Deus, nem ouvi-Lo, apenas é necessário que se manifeste de forma inequívoca. Se gosta de ilustrações, o que queremos é apenas uma prova de vida da sua parte. Deus não tem que ficar ofendido, porque afinal estamos preocupados com o seu bem-estar! Queremos notícias Suas!
    É que sabe, mesmo que o Sol seja forte e seja difícil (e perigoso) olhar directamente para ele, mesmo assim, a nossa engenhosidade não desistiu e sabemos muitíssimo sobre ele hoje em dia. Tenho a certeza que fossem quais fossem as dificuldades de comunicar com Deus, a humanidade faria o seu melhor!
    Em relação a nós como humanidade, não termos crescido o suficiente, é uma faca de dois gumes! Por um lado, posso admitir que Deus não queira contacto com criaturas tão cruéis quanto aquilo que conseguimos ser. Mas não somos apenas um poço de más qualidades. Temos muitas coisas boas! E se ainda não estamos à altura das exigências de Deus, temos de admitir que pelo menos temos o potencial! Um empurrãozinho da parte Dele seria de todo bem vindo! Aliás é isso que as religiões nos dizem, que Deus nos ama, que quer o nosso melhor, que não somos um caso perdido, que Ele quer que nos reconciliemos com Ele, que deu o seu Filho para nos salvar, etc, etc.
    Resumindo, qualquer esforço comunicacional entre nós e Deus, não violaria nenhum preceito religioso e contribuiria imenso para o progresso espiritual da Humanidade.

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  3. Pedro Sete: o seu tema é o meu tema, é por isso que me desperta o interesse, além de que também me interessa a forma como coloca as coisas e as análises que faz.

    Creio existir em nós um qualquer impulso contrário à desistência; a esperança é a última a morrer, e isso que nos mantém vivos, tanto quanto o oxigénio e outras substâncias.

    Como duvidar de Deus face a uma tamanha perfeição que descobrimos progressivamente, à medida que a nossa compreensão do mundo aumenta? O ser humano não é digno de conhecer Deus, pois ainda está demasiado longe d'Ele para que sequer se possa considerar que o compreende minimamente. O ser humano é demasiado pequeno para que Deus se manifeste inequivocamente sem que as estruturas cognitivas humanas entrem em colapso. Consegue imaginar o que sucederia ao ser humano se tivesse a certeza da existência de Deus? Talvez deixasse de temer a morte. E deixando de temer a morte, como conduziria ele as suas acções? O ser humano não está pronto para viver sem temores.

    Eu tenho as minhas dúvidas acerca de a Humanidade fazer o seu melhor seja no que for. A Humanidade nem sabe o que é isso. Podemos ter muitas coisas boas, mas muito poucas em relação ao que poderíamos e deveríamos ter.

    Temos, certamente o potencial, é esse o problema. Poderíamos fazer e não fazemos. O empurrãozinho que esperamos d'Ele temos de ser nós a dar-nos a nós mesmos.

    As coisas realmente importantes requerem que se acredite antes de ver; as coisas que conseguimos ver são meros guias para que possamos transcender essa observação superficial.

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  4. Spiritual,

    Ainda bem que partilhamos interesses comuns e que posso ser útil.
    Concordo com a sua afirmação de que a esperança nos mantém vivos, que nos dá o alento necessário para não desistirmos, quando os ventos não são favoráveis. Aliás acho que é por isso que a religião tem tido tanto sucesso, ela vende esperança aos quatro ventos!

    “Como duvidar de Deus face a uma tamanha perfeição que descobrimos progressivamente, à medida que a nossa compreensão do mundo aumenta?”
    A pergunta então é: Essa perfeição tem um agente, ou seja, necessita de Deus?
    Ou ainda outra: Aquilo que interpretamos como sendo ‘perfeito’, não o será porque somos um produto do Universo?
    Ou ainda outra: Se o Universo é perfeito, e somos um produto dele, não seremos também perfeitos, sendo que então essa perfeição parece aumentar na proporção da nossa compreensão?

    Sim, concordo consigo quando diz que Deus “…está demasiado longe…”
    Podemos não compreender a Deus, devido à nossa pequenez, mas tem de admitir que nos esforçamos. Iguais a bebés abandonados, estendemos as mãos para o alto e choramos até nos doerem os pulmões a nossa sensação de abandono que nos faz sentir o nosso Pai divino.

    “Consegue imaginar o que sucederia ao ser humano se tivesse a certeza da existência de Deus?”
    Abrir-se-íam milhares de interessantes possibilidades.

    “Temos, certamente o potencial, é esse o problema. Poderíamos fazer e não fazemos. O empurrãozinho que esperamos d'Ele temos de ser nós a dar-nos a nós mesmos.”
    Um bebé tem imenso potencial, mas sem pais que cuidem dele, qualquer potencial que tenha desaparecerá. Aliás, o bebé morrerá.
    Mas pressupondo que por qualquer disposição favorável dos acontecimentos, o bebé vinga e se desenvolve por si, deixe-me perguntar: Que necessidade terá então de pais? Estes podem existir, mas para o bebé potenciado, não fará a mínima diferença. Deve o bebé potenciado sentir-se grato aos seus pais?

    “As coisas realmente importantes requerem que se acredite antes de ver; as coisas que conseguimos ver são meros guias para que possamos transcender essa observação superficial.”
    Está certamente a parafrasear as palavras de S.Paulo na sua segunda carta aos Coríntios onde diz “…as coisas vistas são temporárias, mas as coisas não vistas são eternas.” [2 Cor. 4:18]
    Faço notar que a frase é verdadeira independentemente de se a consciência da pessoa permanece após a morte ou não.

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